Meu amigo Zé Bambu era professor de Yoga lá em Garopaba. Um
cara magro, calmo e elástico. Outro dia, na aula de yoga, Zé falava da
importância da respiração para a pessoa relaxar. Para ilustrar o que dizia,
contou a história de quando perdeu o BV. Para quem tem mais de 40 anos e vive
longe do mundo adolescente, BV significa Boca Virgem. A expressão serve para
designar os abençoadinhos que ainda não encostaram sua boca em outra boca.
Disse o Zé, com seu jeito Zen:
— Faz tempo, pessoal. Foi em 1989. Eu tinha 15 anos e era
totalmente, completamente BV. Na época isso me angustiava. Eu achava que era
muito velho pra nunca ter beijado ninguém, enquanto nas escolas e no Calçadão a
minha geração inventava essa coisa de “ficar” com alguém, que, na época, era só
dar uns beijos. Eu via a garotada entrelaçando os moletons na saída do colégio,
pela rua e me sentia um excluído da existência. Por fora eu vestia uma calça
rasgada e escutava Ramones. Por dentro era puro açúcar com manteiga derretida
:D.
A turma, duas senhoras, uma adolescente, uma moça e um
barbudo, ria baixinho. Zé continuava:
— Os dias passavam e as manchetes apareciam: “fulaninha
ficou com fulaninho”. Não! Sim!... Todo mundo se arranjando, a primavera
soltando suas flores e eu nada. Até que... fui na festa de 15 da Joelma Wianna.
Pra quem é novo e não sabe, festa de 15 anos e baile de debutante era uma
coisa... um evento estranho que existia nos anos 80. Servia para que os jovens
fossem apresentados à sociedade. A molecada descolava um terno com o pai ou do
avô e ia. Fui. Com um terno xadrez do meu avô...
As senhoras sorriam. As jovens pareciam interessadas e o
barbudo tentava meditar. Bambu prosseguia:
— Aquela coisa né: cabelo com gel, gravata e 200 mil anos de
antropologia dentro de você. Neste coração que bate e move o sangue, navegam
gerações humanas. Você veio de milhares de pessoas que sentiram atração pelo
desconhecido e que conseguiram beijar alguém. Tirei uma coragem do fundo do DNA
(você também tem esse tipo de coragem. Ela é presente dos nossos antepassados
nômades, guerreiros, marinheiros). O corpo sabe.
Bambu ia falando empolgado e fazendo a postura do Guerreiro:
— Então convidei a Tatiane para dançar. E a menina aceitou!
Daí a gente tava lá dançando, beleza... e, tchum, tocou Astronauta de Mármore,
versão do Nenhum de Nós para um som do David Bowie. É um som antigo, no youtube
tem. Daí ela foi chegando mais perto. Eu olhava hipnotizado. Os olhos escuros
dela, tipo planetas binários, sabe.
— “Tu gosta dessa música?” — ela me perguntou.
— Mais aproximação. Eu nem sabia o que dizer... “Eu go...
MmmKHMmmFghtmmm”
A turma riu. Até o barbudo. Bambu riu também, de leve, e
seguiu sua fala:
— Tá, o beijo veio no meio do som. Até aí tudo bem, o
problema é que eu não tava preparado e, com dois segundos de beijo, FIQUEI SEM
AR. (risos) Que mico. Precisava respirar, mas não queria perder a sensação do
beijo... E, claro, não lembrei de respirar pelo nariz! Então... respirei dentro
da boca da menina!
— Meeee!!! — disse uma das senhoras.
— Pois é... Daí a música acabou. Ela se afastou um pouco e
perguntou se era a primeira vez que eu beijava alguém. Era. Não sei por que,
mas nunca mais beijei aquela menina de novo. Mas, quer saber? Foi massa.
E Zé Bambu concluiu dizendo que não devemos ser ansiosos e
que a respiração é uma grande aliada. Sem ar ficamos desesperados. O ar é o
nosso primeiro amigo neste planeta.
Pegando carona na história do Zé, queria dizer que, se você
tem aí seus 13 ou 14 anos ou mais e é BV: Não te desespera, irmão. Daqui a
pouco rola. E vai dar tudo certo. Curte o teu BV, porque depois você vai ter a
vida toda para não ser BV.
Fica sossegada. Escolhe alguém legal, significativo. Daqui a
pouco você pode estar andando pela rua, ele tropeça numa pedra, aterrissa no
teu colo e... tchum. Sem stress. Sem angústia. Deixa estar. Mas respira antes.
Fuuuundo. E se você fizer uma trapalhada grande, depois vai poder rir disso,
quando crescer. Desde que seja feito com amizade.
E caso você já seja casado/a há milhões de anos, pode incorporar
a vibe BV e achar um jeito de tirar a teia conjugal, no melhor estilo Geração
Z. Brincando de ir descobrindo o outro aos poucos, em meio ao caos da rotina.
Com algum susto ou surpresa. Com medo de dar tudo errado. Plugado no mundo. Com
o coração vivo.
Enquanto isso, vai estudando firme aí, porque o mundo é dos
BVs (casados ou não), dos Nerds, Geeks e CDFs. Namastê.
Escrito por: Rodrigo Espinosa Cabral
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