sábado, 14 de dezembro de 2013

Desabafo de um bairrista

“Você é louco de trabalhar naquela escola. Vão te matar!”... Me dizia alguém, ao saber que eu tinha pedido remoção para a Escola de Educação Básica Wanda Krieger Gomes, no bairro Martello... Mal sabia esta criatura que eu já trabalhava lá há quatro anos como ACT (Admitido em Caráter Temporário) e permanecia ileso... Minha portaria de remoção saiu quase ao mesmo tempo da inauguração do novo prédio e fui, sem medo de ser feliz... Num certo momento destes onze anos de parceria, tive a oportunidade de pedir remoção de volta para uma escola do centro da cidade, bem conceituada a ponto da polícia ter que comparecer todos os dias para garantir a integridade física de professores e alunos... É claro que não aceitei...


Não estou dizendo aqui que as escolas do centro são melhores que as do bairro, só sei que o Wandão não é pior que elas em nenhum aspecto, mas o destaque que se dá a fatos negativos têm uma enorme diferença entre centro e bairros... Imagine saber que o filho de um grande empresário, residente na área nobre da cidade esteve envolvido com drogas, ou algum tipo de violência no portão de uma escola que, apesar de pública, é considerada de elite, só pela localização central. Não! Isso não pode ser divulgado, pois a família do fulano, desbravador destas terras, não pode ser manchada...

Pois o filho do João dos Sonhos Azuis se envolveu numa discussão em frente a sua escola pública de bairro e acabou levando um soco... Reúnem-se curiosos e, um deles, chama a polícia, mas antes desta, chega o carro da imprensa para divulgar o fato e colocar em destaque... Neste meio tempo, os envolvidos resolvem o caso e se perdoam... Mas o lado bom: humildade bairrista, não é divulgado, pois não dá IBOPE...

No outro dia, o doutor empresário que cresceu na vida explorando a mão de obra do João, sabe da notícia e fica indignado com a violência nos bairros, nem imagina que o fato envolve o filho de um de seus funcionários, até porque, não conhece e nem quer conhecer quem trabalha pra ele. O que necessita é de produção, não importa a que sacrifício alheio... Impressionante?... Sim, mas é exatamente o que acontece... Enquanto isso, o filho do engravatado, herdeiro do patrimônio conquistado historicamente e “honestamente” com a expulsão de índios e caboclos, não sabe como se livrar do crack, vício adquirido pela abundância de bens e carência de valores...

Ao invés de ir trabalhar no centro, eu trouxe minhas bugigangas para o Martellão, onde moro há quatro felizes anos, portanto, muito me entristece situações como a que relato a seguir...

A Escola de Educação Básica Wanda Krieger Gomes serviu de palco para uma transformação na vida de vinte jovens lideranças católicas de Caçador e Videira neste domingo... Ao chegar, as sete e meia da manhã para preparar o ambiente a fim de receber meus queridos e amados jovens, me deparo com algumas meninas que esperavam pelo horário para usufruir do ginásio de esportes... Pergunto a uma delas: “Que idade você tem?”... “Catorze”... “Que legal!” - Exclamei - “Ano que vem vai ser nossa aluna no ensino médio!”... “Não! Vou para... (Hã... melhor não escrever aqui o nome da escola, pois posso ser mal compreendido)”... Não me contive, tive que rebater a informação... “Temos uma das melhores escolas públicas de ensino médio do estado de Santa Catarina e você prefere viajar oito quilômetros até o centro todos os dias para estudar?” - Falei mudando o tom da voz... “Minha mãe não deixa.” - Responde a moça ajeitando o meião - “Diz que aqui só tem vândalos...”

Contei até duzentos e quarenta e oito para não acabar comprovando a tese da mãe dela pelas próprias mãos... Longe daquela filha de mascarada, fiz a seguinte análise: Certamente os pais dela trabalham aqui no bairro, fazem compras no comércio local, moram aqui... Quer dizer que para oferecer moradia, comércio e trabalho, a comunidade serve, mas quando é para estudar, a escola não é ideal?... Pior: A criatura deixa a filha jogar bola no ginásio de esportes da escola que pertence à comunidade, mas para oferecer estudo, o ambiente não serve?... E o fantasma da violência só se aplica para a sala de aula, os esportes estão fora destes padrões?...

Como podemos reclamar de discriminação se os próprios moradores são preconceituosos em relação ao bairro?... Se me fosse confiado a autoridade, teria dito a ela para juntar suas chuteiras e se sumir dali, pois se a escola não serve para ela estudar, também não deveria servir para jogar futebol...

Concluindo: Todas as pessoas que me falaram mal da escola que trabalho, jamais pisaram lá. Formam conceitos a partir de fofocas... Violência aqui? Só se for moral, cometida pelas pessoas que não conhecem a comunidade e por moradores do bairro que se acham melhores por poder matricular seus pupilos numa escola central cheia de problemas escondidos pela máscara ideológica e politiqueira dos favorecidos pela podridão do sistema capitalista...

Escrito por: Márcio Roberto Goes - marciogrm@yahoo.com.br

Professor de Língua Portuguesa, língua Espanhola e suas respectivas literaturas, efetivo na rede estadual de ensino de Santa Catarina, graduado em Letras pela Unc, antigo campus de Caçador e especialista em análise e produção textual pela FAVEST. Escritor, palestrante, diretor artístico e locutor da Web rádio Ativa Caçador. Membro da Academia Caçadorense de Letras e Artes.

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