quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Viver a vida pelo próximo

Utópico? Talvez, se considerarmos a densa camada de individualismo, egoísmo, tantos outros “ismos” que vem separando o ser humano do seu semelhante.

Esta história começa no ano de 2011, quando tive a graça de integrar, por um curto, mas valioso período de oito meses, a equipe do então Centro Social Marista. Era uma manhã comum de trabalho. Comum até demais. A rotina do trabalho já começara a castigar minha integridade física, mental e moral. Posteriormente descobri o quão bom e construtivo fora este “castigo”. 


Meu relógio despertou, como de costume, às pesadas seis da manhã. Aos “trancos e barrancos” que o sono que não coube em uma noite curta costuma causar, fui trabalhar. 

A estrada era sempre a mesma. A oração entre no trajeto. O “bom dia” e a conversa com os amigos no carro, também. Mas naquele fatídico dia, Deus preparara para mim a mais profunda e marcante experiência vivida por mim até hoje. O chamado choque de realidade. O famoso “divisor de águas”. 

Quando chegamos ao Centro Social, o abraço e o sorriso desejando um bom dia de trabalho aconteceram quase como de costume. Exceto por um detalhe. 

O Centro Social Marista está inserido na comunidade mais empobrecida da cidade, onde trabalha a educação, edificação e construção cidadã de crianças e jovens empobrecidos e marginalizados. Notícias a respeito da localidade costumam preencher as páginas, já reservadas, dos mesmos jornais, à violência. Como se esta fosse exclusividade das periferias. A desigualdade social, oriunda da desestruturação familiar, do desemprego, da concentração de renda e de tantos outros fatores, deixara marcas profundas naquela comunidade. Lá, onde as luzes da dignidade humana parcamente brilhavam, justamente lá, naquele cenário de esquecimento e descaso, uma criança sorriu para mim, me abraçou, abraçou a equipe, externando toda a felicidade que sentia por nos ver novamente. 

Antes do questionamento natural do “o que tem de mais nisso?” é preciso entender o contexto daquele sorriso, daquele olhar e daquele abraço. 

Aquela criança era mais uma vítima da desigualdade que assola aquela comunidade. Apenas mais uma entre todas àquelas que a sociedade costuma, e eu também já costumei, colocar no “balaio” dos “pobres”. Tinha tudo para reproduzir o que vivia em casa. Uma família desestruturada, com sérias dificuldades de vida, convivendo com a violência multifacetada, de onde dificilmente, do ponto de vista rotulista da sociedade, brotaria uma fagulha de felicidade. 

Levei aquele sorriso comigo pra casa. Eu, que sempre tive tudo, do bom e do melhor, casa, comida, amor e estrutura familiar, não conseguia entender como aquilo era possível. Pensei, repensei, e esqueci. Mas nada acontece por acaso Conforme o tempo passou, a ficha, ora consciente, ora inconscientemente, foi caindo. As coisas foram mudando para mim. A missão junto aos jovens me lançou à “águas mais profundas”. Era hora de colocar em prática o que havia aprendido no Marista. 

De repente eu percebi que tinha uma missão. Muito maior do que participar de um grupo de jovens, fazer uma ou outra ação de caridade ou ler a bíblia para alguém. Aquela criança ficara em minha mente. Era Cristo que estava ali. Sujo, pequeno e oprimido pelos absurdos sociais. Invisível. Inaudível para a sociedade, porém visível e gritante para mim. Habitava naquela criança assim como habita o interior de cada um de nós, que somos, com e como Ele, a Imagem e Semelhança de Deus, e preenchidos pelo mesmo Espírito. Recordo que entre meus devaneios, em algum momento, eu percebi que havia chegado a hora. 

O mundo, pensei, está cheio de crianças e jovens, repletos de Cristo, porém, assim como Ele mesmo foi, marginalizados e oprimidos por um poder destrutivo. Era necessária a Libertação. Aceitar o Projeto maior. O Projeto de Amor. Ali, depois de alguns anos perdido nas dúvidas, a minha caminhada pastoral e a força da minha fé fizeram sentido. 

De repente, o Reino que a gente busca não era mais um fim, algo que pudesse, em algum momento ser “alcançado” ou “atingido”. De repende este Reino era algo a ser construído. Eternamente construído por cada um, exercendo em conjunto o seu protagonismo. De repende a juventude não era mais passível de um conceito. Acabara-se o determinismo. Juventude era construção. Juventude era realidade. Era presente. 

O caminho era longo, como é para todo mundo. Mas aceitá-lo e assumi-lo exigiu de mim uma escolha. Que confesso que foi e por vezes ainda é custosa. Mas não há amor verdadeiro sem sacrifício. Eu decidi dedicar a minha vida ao meu próximo. 

De repende (repetitivo, porém necessário) a maior recompensa não era financeira, não era prestigiosa. Aquele sorriso indicou que havia luz, não no fim do túnel, mas no caminho todo. 
Recentemente, fui questionado a respeito do motivo que me levou a dizer sim ao projeto que assumi. Após contar essa história, lembrei-me uma vez mais daquele sorriso. 

Eu disse sim por que acredito. 

Eu decidi viver minha vida em favor do próximo. 






Escrito por: Alexandre Cachoeira










Texto retirado da Rádio Ativa 

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